Flexitarianismo: como lidar com quem não entende sua opção?

Bate Papo

Flexitarianismo: como lidar com quem não entende sua opção?

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Mudança no estilo de vida sempre exige um certo jogo de cintura. Pra dar certo, você precisa ter seus “porquês” muito bem definidos e estar disposto a lidar com um mundo novo (interno e externo).

No caso da alimentação, esse embate entre mundo antigo e novo é ainda mais presente, afinal estamos falando de algo que você faz todo dia e a toda a hora e, muitas vezes, à volta de uma mesa com outras pessoas. Ou seja, não dá pra você esconder suas escolhas por muito tempo.

Apesar do flexitarianismo – dieta que prioriza vegetais, mas não elimina nenhum alimento de origem animal – parecer mais simples de gerir, ele ainda pede alguma sabedoria por parte de quem o pratica.

Zeca Pereira, 31 anos, Produtor de Eventos não come proteína animal desde os 5 anos, simplesmente porque não gostava. Enquanto crescia, chegou a mentir várias vezes, dizendo que não tinha fome, só pra não ter que se explicar.

Zeca Pereira

Hoje, ele assume bem suas escolhas e preferências, mas ainda passa uns perrengues. “Alguns amigos ainda esquecem e perguntam se eu comeria determinado prato se eles apenas tirassem os pedacinhos de carne ou, então, sugerem fazer um pão de alho na mesma grelha do churrasco, coisa que eu não gosto também.”

Ter uma alimentação diferente, realmente, pode ser uma questão, sobretudo se você vive com pessoas que não partilham a mesma dieta.

Manuela Ribeiro, nutricionista de 33 anos, se diz flexitariana há oito meses. Essa mudança só aconteceu quando começou a morar sozinha. “Hoje sou eu que faço minha comida. Antes eu não tinha essa autonomia, só na rua”, explica.

Manuela Ribeiro

Essa é uma questão comum entre pessoas que têm vontade de fazer mudanças, mas dependem de terceiros em sua alimentação. 

Mariana Amaral, 28 anos, Criadora de Conteúdo é flexitariana desde 2015 e confessa que não é 100% veggie por causa da família.

“Hoje moro com meus pais e quem cozinha lá é minha mãe. Não sinto que tenho o direito de mandá-la fazer algo diferente para mim. Trabalho o dia todo fora e acabo comendo à noite o que ela fez.”

Mariana Amaral

Ser flexitariano, portanto, pode ser uma bela porta de entrada para um mundo mais vegetal, mas sem ter que abrir mão de nada e, melhor de tudo, sem ter que se explicar demais.

Inclusive, a Mariana tem uma boa dica nesse quesito. Você não precisa sair do armário! “Nunca tive dificuldade em me assumir flexitariana porque nunca ‘falei’. As pessoas sabem das minhas preferências e nunca questionaram. Quando não como algo, eu simplesmente não como.”

Ou seja, transicionar sua alimentação de forma flexível pode ser o caminho para quem quer mudar, mas não sabe beeem por onde começar. 

Se você está começando a trilhar essa estrada, leia o conselho de quem está nessa jornada há mais ou menos tempo e ama viver assim:

“Eu acho chato quando falam que a minha alimentação é limitada. Eu acho o oposto, eu SÓ não como carne, como todo resto. Um conselho que eu daria é a pessoa olhar as suas necessidades, aprender a comer direito. Se precisar de ajuda, procure um nutricionista que entenda de dieta 100%
vegetal”, Zeca

“O flexitarianismo me fez ter uma alimentação mais variada do que antes. O conselho que dou pra quem quer seguir com isso é: não é sobre restrição, é sobre abrir o seu olhar para o reino vegetal, um reino riquíssimo! A sua alimentação vai se tornar muito mais rica. Minha saúde melhorou, minha digestão melhorou e me sinto mais leve”, Manu

“Eu diria que é muito fácil! Você vai ver o quanto é fácil e o quanto é mais saboroso. Mapeie restaurantes que têm opções vegetais perto do trabalho para não ‘ter que comer’, salve restaurantes no delivery que têm pratos que você gosta. Encha a geladeira de proteína vegetal e tcharãm!”, Mari

Agora, lembra que começamos esse texto falando da importância de ter “jogo de cintura”? Ser flex é sobre isso. 

E para entender melhor como aprender a lidar com essa mudança na nossa vida – inclusive a lidar com a opinião alheia – falamos com a Psicoterapeuta Huaína Guimarães. 

Psicoterapeuta Huaína Guimarães

Leia essa entrevista até o fim porque temos certeza que vai te ajudar (e muito!) a viver esse estilo de vida.

O que é preciso desenvolver internamente para conseguir dar conta de uma mudança que pode gerar desconforto e ainda nos obriga a uma profunda desconstrução?

Primeiro é preciso estar consciente do porquê você está mudando. Quanto mais você tiver informação e encontrar as razões e os argumentos da sua mudança, quais os pontos positivos de mudar, mais fácil será. Também é importante ter em mente os desafios que você vai encontrar com essa mudança. Por exemplo, o contato com as pessoas, o acesso a novos alimentos, o que vai mudar na rotina etc. Sempre que fazemos uma escolha é importante a gente refletir e se munir de informações. Quando estamos convencidos e seguros, fica muito mais fácil dialogar com o outro. 

Como pode ser mais fácil (e leve) colocar no mundo o nosso novo estilo de vida, sem parecer uma crítica ou julgamento ao outro?

Quando a gente faz diferente, automaticamente nos sentimos diferentes. E isso acontece também com os outros à nossa volta. Se a gente não tem uma comunicação clara, damos brechas para cada um tirar suas conclusões. Talvez eles pensem “agora é diferente, agora ele não gosta mais de comer com a gente”. A comunicação é o que minimiza conclusões erradas. É importante comunicar de forma clara. Promova um lanche, um almoço, mostre uma outra opção, conte como você fez determinado prato, onde comprou, quanto gastou etc. Convide a pessoa para o seu mundo. 

Por que motivo mudanças de alimentação e estilo de vida têm o poder de gerar tantas situações conflitantes e julgamentos por parte dos outros?

Isso está muito relacionado com o significado que cada pessoa dá para a comida. Para a nossa cultura, alimentação simboliza união, cuidado, afeto. Então, quando você aponta ou rejeita isso, você está tocando em pontos sensíveis. Quando a gente diz “não” a algum prato, é como se a gente estivesse bloqueando esse canal de afeto do outro. Então, mais uma vez, o autoconhecimento e a comunicação são essenciais para se saber colocar. Uma boa dica é apresentar opções gostosíssimas às convencionais, mas que estão alinhadas com a sua escolha.

Como lidar com reações desagradáveis das pessoas (desconhecidos e pessoas que amamos)?

Não estamos imunes a isso, mas estarmos seguros das suas escolhas é o primeiro passo. Depois, minha sugestão é convidar as pessoas para a ação. Convide-as a buscarem a mesma informação que você buscou – envie sugestão de leitura, por exemplo. Convide-as, também, a experimentar o que você come. Em certos casos, não insista em discutir ou argumentar. 

Como agir para que as pessoas à nossa volta entendam os nossos motivos e tenham mais empatia?

A comunicação assertiva é a palavra-chave. Falar de maneira objetiva, respeitosa e tranquila sobre os seus pontos de vista e sobre o que você conhece. Quanto mais a comunicação for dessa forma, mais fácil será para que os outros compreendam o que você quer passar. Vale lembrar que empatia é uma via de mão dupla. Você também precisa ter empatia e compreender as escolhas do outro e porque o hábito dele é e permanece esse. 

Como lidar com o fato de que alguém que amamos não sente as coisas da mesma maneira que nós?

O respeito e a liberdade de cada um para expressar a sua maneira de ser e seus pensamentos são algo fundamental. É preciso entender que os jovens de hoje têm muito mais acesso a informação e, inclusive, a própria ciência e medicina evoluíram sobre o tema. Na geração dos pais desses jovens, por exemplo, não era fácil ter esse tipo de acesso. Então, como que eu vou julgar meus pais, se eles vieram de uma outra época? Acredito que o caminho é basear a comunicação numa troca respeitosa.

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