Quantas vezes você já fez uma super compra na feira e quando foi preparar os alimentos encheu um lixo inteiro? A verdade é que hoje em dia para muitos, cozinhar, infelizmente, não é o principal objetivo do dia, por isso a chance de só ir fazendo o que já é feito de costume é muito grande. O costume ainda tem muito de jogar as cascas fora, não utilizar as ramas, descartar a borra, os talos…
Hoje a gente conversou com a Lis Cereja – lembra dela lá da nossa matéria sobre os podcasts? – nutricionista, chef de cozinha e especialista em vinhos “naturebas” que coloca na mesa a prática do não desperdício e do reaproveitamento de alimentos com maestria, inclusive no seu restaurante.
Começamos perguntando pra ela sobre como foi que começou essa filosofia que ela pratica na vida pessoal e no seu restaurante Saint Vin Saint, de utilização de ingredientes inusitados e ela já nos sinaliza um grande aprendizado:
“Não diria ingredientes inusitados, porque toda essa questão de trabalhar com aproveitamento e reaproveitamento de alimentos é muito antiga. Toda a história da gastronomia e da alimentação na civilização humana se fez em cima de escassez, aproveitamento e reaproveitamento de alimentos. Então muito do projeto do restaurante é resgatar um pouco disso. A gente faz em primeiro lugar o aproveitamento total dos ingredientes utilizando as folhas, o vegetal inteiro, os talos, as ramas. A ideia sempre foi ter um projeto verdadeiramente sustentável e para isso as questões de aproveitamento são essenciais, bem como a utilização de plantas alimentícias não convencionais, a não utilização de um menu fixo e o favorecimento da sazonalidade.”
O novo é sempre um susto, então nos aventuramos em entender qual é o impacto dessas preparações nas pessoas, até porque a gente sabe que você também está curioso:
“O impacto das receitas é sempre bastante grande, maaaas levando em conta que somos um restaurante, temos uma preocupação muito intensa para que toda e qualquer criação continue sendo uma experiência gastronômica“. O que a Lis quer dizer aqui é que nenhum impacto em relação às receitas vai causar estranhamento ou a sensação de que aquilo seria um prato “reaproveitado” e isso é uma ótima notícia pra você que quer começar a fazer receitas com os alimentos integrais e aproveitar toda textura, nutrição e sabor que eles carregam.
“Nossa preocupação com a arte gastronômica também é muito grande, então o maior impacto é realmente conceitual e filosófico, principalmente quando a gente apresenta o que está por trás daquele prato” e exemplifica: “A cocada que a pessoa está comendo não foi feita com o coco fresco, foi feita com o bagaço do coco que sobrou do leite de coco que fazemos para o brunch e aquele cítrico que ela está sentindo é feito não com limão mas com as cascas do limão que sobram do bar e fazemos todo um trabalho de confitar no açúcar para adicionar na cocada.”
Quase finalizando essa conversa gostosa, perguntamos para Lis, afinal, qual é a importância de evitar desperdício e diversificar a alimentação?
“Bom, desperdício e diversificação de alimentação são duas coisas muito importantes para tudo né? Para nossa saúde e para saúde do planeta.” Lis compara o nosso corpo com um terreno de plantio e afirma que quanto mais vasta for a sua biodiversidade mais saúde aquela terra terá, assim é com o nosso corpo também, diferentes fontes, diferentes nutrientes e claro sazonalidade. E completa: “Acho que a questão do desperdício é uma pauta cultural e um grande problema ambiental e social. A gente desperdiça na cadeia produtiva mais de 30%, e quando colocamos esses alimentos para dentro de casa são mais 30% que vão para o lixo. Isso gera um grande impacto ambiental incentivando o uso de agrotóxicos, a fome e a quantidade de lixo gerado.”
Para finalizar pedimos pra Lis compartilhar com a gente seus reaproveitamentos favoritos, bora de listinha?
- Talos de legumes que se transformam em picles
- Borras de café que se transformam em pão
- Folhas de cítricos que se transformam em infusão herbal medicinal e aromática
- Bagaço de coco (que sobra do leite de coco) que se transforma em cocada
- Cascas de limão e laranja que se transformam em doces, compotas, conservas láticas e muito mais
- Sobras de vinho que se transformam em vinagre.
- Cascas de cebola que se transformam em infusão medicinal para desconfortos gástricos.
- Ramas e folhas que se transformam em conservas láticas (como kimchis e chucrutes de folhas de beterraba, verduras mais murchinhas, ramas de cenoura).
- Cascas de banana que se transformam em pão, refogado, vinagre, fertilizante, doce
Fotos: Acervo Lis Cereja